terça-feira, 20 de outubro de 2015

Carreira de estado e a PEC que não pode pecar

* Mario Antonio Ferrari
Os médicos, desde antes da constituição de 1988, almejam uma carreira semelhante a dos juízes, promotores e profissionais do executivo como militares, diplomatas e fiscais da receita federal.

A Constituição de 1988, ao atribuir um regime jurídico único a todos os servidores, e ao incorporar os contratados pela CLT, criou certa dúvida em relação a quais seriam as carreiras de estado.

Os magistrados, os membros da Advocacia da União, os do Ministério Público, entre outros, cuidaram de qualificar suas carreiras como sendo de estado, mencionando esse fato na esfera constitucional.

Levando-se em consideração que a saúde é dever do Estado e, portanto, deve ser levada a efeito por profissionais integrantes de carreira de estado, os médicos, através do movimento sindical, há muito tempo encaminham a luta pela criação da carreira própria.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC nº 454/2009), seguindo essa lógica, abre possibilidade à criação da carreira de estado para os médicos situando-a no plano constitucional.

Em seu art. 197-A, estabelece que no serviço público federal, estadual ou municipal, a medicina é privativa dos membros da carreira única de médico de Estado, organizada e mantida pela União. Em seguida subordina essa regra a uma série de princípios e diretrizes.

Os incisos I e II repetem requisitos já estabelecidos para as carreiras do judiciário e do ministério público. Assim, o ingresso na carreira fica condicionado a concurso público de provas e títulos, com a participação do respectivo órgão de fiscalização profissional, devendo as nomeações respeitar à ordem final de classificação. O exercício do cargo fica condicionado ao regime de dedicação exclusiva e o médico dessa carreira não poderá exercer outro cargo ou função pública, salvo uma de magistério.

O inciso III, ao estabelecer os critérios de ascensão funcional do médico de Estado, inova ao considerar que os critérios de merecimento e antiguidade devem levar em consideração quesitos de acordo com normas estabelecidas pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina. No judiciário e no ministério público as regras emanam das respectivas leis orgânicas.

Quanto à movimentação dos médicos de Estado, a previsão do inciso IV registra que a lei estabelecerá critérios objetivos de lotação e remoção segundo a necessidade do serviço e considerando, para a elaboração dos requisitos de remoção, a pontuação por lotação em localidades remotas ou de difícil ou perigoso acesso. Essa regra lembra à existente no âmbito das forças armadas, nos respectivos regulamentos de movimentação.

No inciso V podemos observar regra que já existe para outros profissionais de carreiras de Estado. Assim o médico de Estado não poderá, a qualquer título ou pretexto, receber honorários, tarifas ou taxas, auxílios ou contribuições de pessoas naturais ou jurídicas, públicas ou privadas, nem participar do produto da sua arrecadação, ressalvadas as exceções previstas em lei.

Outra modificação está presente no inciso VI. Nesse dispositivo destaca-se que a retirada do poder de regulação e fiscalização do exercício administrativo e funcional do cargo de médico de Estado do Conselho Federal de Medicina.

Os médicos dessa carreira passam a ser regulados e fiscalizados por outro órgão colegiado federal que, com funções exclusivas de normatização, de correição funcional e de ouvidoria, em cuja composição paritária, terá médicos de Estado eleitos pelos membros da carreira, por representantes da sociedade civil, não pertencentes à categoria médica, e por representantes do Ministério da Saúde.

Retira-se, constitucionalmente, o poder dos conselhos de fiscalizarem os médicos no serviço público. Isso em certa medida, mas por razões distintas,  já ocorre no âmbito das forças armadas.

O inciso VII, extingue a carreira dos médicos federais concursados pelas regras anteriores à promulgação da Emenda à Constituição. O ideal seria transformar a carreira dos médicos federais em carreira de estado e não extinguir a que se têm para depois criar outra. É importante anotar que os médicos federais já estão separados das demais carreiras.

Já o inciso no VIII a PEC extingue as carreiras dos médicos concursados nos estados e municípios. Essa questão é delicada por ofender o principio da autonomia federativa. Não fosse isso, cabe lembrar que muitos estados fizeram opção ou encaminham alternativas legislativas para criação de carreiras de estado nas suas esferas. Tais iniciativas nascidas da luta sindical médica estão sendo desconsideradas. A PEC pretende acabar com as carreiras de estado do DF, de Alagoas, do Piauí e de outros estados?

Por último, a PEC poderia ser mais explícita e acolher o Piso Fenam como o referencial mínimo de remuneração. Ao definir que o piso será fixado por lei transfere para o gestor a definição do parâmetro. Sabemos que essa questão é delicada e nem sempre é encaminhada como o movimento sindical defende.

Feitas as considerações, que devem se prestar ao debate, cabe o registro de que a iniciativa da carreira de estado é um sonho para muitos médicos e por isso deve ser muito bem discutida para que não se cometa o pecado de frustrar expectativas.   

*Mario Antonio Ferrari – Presidente do Sindicato dos Médicos no Estado do Paraná (SIMEPAR), Secretário Geral da Federação Nacional dos Médicos (FENAM). Curitiba, 18/10/2015


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